quarta-feira, fevereiro 04, 2004

Miragens no Deserto

Entre os diversos lugares pelos quais já passei, existe um vilarejo especial que em momentos de tristeza procuro fechar os olhos e sentir o cheiro, as cores e a energia do povoado. A viagem, rumo a Paulinho Neves, já eh uma aventura repleto de belezas naturais. Saindo de Barreirinhas, porta de entrada dos Lençóis Maranhenses algumas Toyotas tracionadas fazem o trajeto para o paraíso. Nela os passageiros viajam na caçamba junto com caixas cheias de peixes, galinhas, e ate um bode com as quatro patas marradas se exprimia entre as pessoas na parte de trás do carro. Na frente uma moradora gravida ia na cabine para se proteger do sol escaldante do meio dia. Derrapando entre dunas, atravessando lagoas, passando rente aos arbustos, os passageiros tinham que se segurar e ao mesmo tempo se proteger dos galhos que chicoteavam os desatentos. E no caminho diversas paradas para pegar mais pessoas, que apesar da lotação máxima do carro sempre cabia mais um, pois outro transporte só no dia seguinte. Numa dessas paradas um rapaz embarcou com um colchão e no arranque súbito do motorista lá se foi o rapaz e o colchão para o chão. Por pouco ele não ficou para trás.

Depois de um par de horas de viagem, o motorista parou em uma casa de taipa e se esqueceu completamente dos passageiros que pagavam para chegar em Paulinho Neves. Ele desapareceu com o dono do lugar e seus filhos para procurar o rebanho de cabras que pastavam pelas dunas. A Toyota ficou uma hora parada e a gravida lá, já habituada com tipo de viagem. O sol quente, todos se acotovelando e a longa espera começou a me deixar irritado com o descaso do motorista. Foi quando me lembrei do poema Itaca de Konstantinos Kaváfis, que diz que mais vale a viagem do que propriamente a chegada. Fui atras das cabras, cruzei duas dunas para ver o que estava acontecendo e diante dos meus olhos saltou uma paisagem bíblica. Entre as fumaças que pareciam se evaporar da areia, dezenas de cabras arrebanhadas por duas crianças caminhavam pela crista de uma duna mais adiante. O vento forte soprava contra os cabelos dos pequenos. Aquela imagem parecia uma visão, ou melhor uma miragem causada pelo forte calor e pelas horas sentado num carro que não parava de sacolejar. O motorista e o morador daquele minúsculo povoado tranqüilamente se refrescavam dentro de uma pequena lagoa de água doce enquanto conversavam sobre a melhor maneira de preparar o bode.

E depois de quase 6 horas de viagem, com mais um novo passageiro apertado que serviria de jantar no dia seguinte, enfim chegamos em Paulinho Neves, ou como outros preferem chamar pelo antigo nome da vila, Rio Novo.