sexta-feira, abril 27, 2007

Razão de ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece, 
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

Paulo Leminski

terça-feira, agosto 08, 2006

Será?

Será que, à medida que você vai vivendo, andando, viajando, vai ficando cada vez mais estrangeiro? Deve haver um porto". Caio Fernando Abreu

sexta-feira, junho 23, 2006

Musica

"I like songs about drifters - books about the same.
They both seem to make me feel a little less insane."

trecho da musica "world at large" de modest mouse

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

Liberdade

Liberdade. O nome do bairro paulistano já é bem sugestivo, ainda mais o relacionando com a história que me foi contada naquele lugar. Num karaokê pra lá de original, com seus sofás vermelhos, luzes piscando como se fosse um eterno natal, fotos enormes dos mais variados motivos, mesas de bilhar, churrascaria, restaurante japonês, quadros de luz com águas em movimento e claro, alguns senhores japoneses cantando no idioma da terra do sol nascente. O ambiente pop-trash-cool-kitsch reúne o mais variado público. Desde pessoas descoladas, populares, a tiozinhos que vão jantar com amigos. E lá conheci uma garota. Entre cervejas, tempuras e saques ela começou a falar que andava triste e contou-me a história de sua vida, o que dava um belo roteiro de filme.

Ela é natural de Colorado do Oeste, uma cidade no interior de Rondônia, terra de aventureiros, desbravadores que foram de outras regiões do Brasil tentar a vida por aquelas paragens. A família dela migrou do sul. Atualmente, o que acontece em Colorado é que a segunda geração, também com comichões nos pés, tentam ir além, cruzar fronteiras nacionais e alcançar a terra do Tio Sam.

Ela mora a poucos meses em São Paulo, na casa do irmão e trabalha nas Casas Bahia. Aos 12 anos, a mãe a levou junto com esse irmão para descobrir melhor quem era o pai. Desnecessário. Ela e o irmão foram levados para flagrar o pai na cama com outra.

- Aquilo nunca mais saiu da cabeça minha cabeça...lembro-me como se fosse ontem...

Na época o pai era o prefeito da cidade. Com a imagem arranhada ele mudou de ramo, saiu da vida publica e entrou num negocio muito mais lucrativo. Virou coyote, comprou um hotel em Ciudad Juarez no México e começou a financiar viagens daqueles que queriam ver a vida transformada pelos dólares americanos. Ele adiantava a grana, montava o esquema e depois recebia o triplo investido num período de um ano. A festa foi farta, durou um tempo, mas teve hora pra acabar. Ele foi pego, o esquema se desmontou e ficou alguns meses preso. Virou notícia ate do Jornal Nacional. Atualmente ele toca uma fazenda nos confins da Amazônia. A mãe, entrou para a política e se tornou vereadora em Colorado do Oeste.

Já essa minha nova amiga, cansada daquela vida, resolveu se aventurar na maior cidade da América do Sul.Veio morar na casa do irmão mais novo que se mudou um ano antes.

Depois de várias outras cervejas, intercaladas com saques, ela disse que estava preocupada porque o irmão havia passado mal e naquele dia acabara de voltar do hospital. Diagnostico: arritmia cardíaca por conta de anabolizantes. Como assim? Pois é, ele é go go boy em casas noturnas, tira uma grana e namora uma travesti que é a cover da feiticeira.

E ela esta atrás do seu próprio caminho, das suas escolhas, atrás da sua liberdade. Quais serão? Ainda não sabe...Pelo menos esta no caminho, ou melhor, no bairro certo. É...a vida às vezes até parece uma novela.

domingo, fevereiro 12, 2006

Neste Mundo

Hoje resolvi conhecer a obra de Michael Winterbottom. Decidi começar pelo polêmico “9 canções”, que num olhar mais grosseiro pode parecer um porno soft gratuito. Mas observando com mais atenção percebe-se uma interessante estrutura, uma história de amor contada através do sexo (e por que não?!), recheada de cenas de shows que vão de Primal Scream a Franz Ferdinand (sim, aqueles que irão abrir o show do U2 por aqui). A famosa tríade de sexo, drogas e rock n´roll apresenta o relacionamento de um casal que vai se deteriorando: a paixão dá lugar ao amor e logo depois a solidão seguido pela indiferença.

Mas foi o segundo filme do cara que me fez vir até o blog. “Neste mundo” é um lindo on the road movie, uma ficção com pegada de documentário. Camera nervosa, captação digital, por ora granulada, outras escuras. Até um night shot foi usado numa cena, o que não comprometeu nem um pouco a forma. Atores não profissionais contam uma história que se repete diariamente: a dos refugiados, aqueles que sem pátria, vítimas de interesses geopolíticos, procuram um lugar ao sol. Num primeiro momento ele me lembrou aqueles filmes iranianos que particularmente não curto. Ao meu ver, eles tem a narrativa arrastada demais para o meu gosto. Mas essa foi só a primeira impressão. O filme de Winterbottom conta a história de dois moradores de um campo de refugiados afegãos, localizado no norte do Paquistão. Os primeiros refugiados chegaram em 1979 fugindo da invasão soviética em seu país. Os mais recentes chegaram fugindo do bombardeio causado pelos EUA, que começou em 7 de outubro de 2001.

Jamal e o primo vão procurar um tio que resolve ajudá-los a imigrar ilegalmente para a Inglaterra, em busca de melhores oportunidades. Este contrata, então, os serviços de um coyote, que traça uma rota rumo à Terra da Rainha, a famosa Rota da Seda. O filme nos apresenta regiões como norte do Paquistão, o Irã, as montanhas do Curdistão que são atravessadas a pé pelos protagonistas, a Turquia, chegando na Europa, onde a rota segue pela Itália, França e finalmente Inglaterra. Eles andam enormes distancias a pé, viajam de anguna (um caminhão bem popular na Asia e em Timor Leste), em ônibus coloridaços (os bus – bis – de Timor), na caçamba de caminhões entre caixas de laranjas e cabritos e também dentro de containers. As diferenças culturais são muito bem exploradas, assim como a difícil situação de um imigrante. Uma bela oportunidade para conhecer um pouco sobre o Oriente Médio: culturas fascinantes, belas paisagens e muita miséria.

O filme mostra ainda liricamente até onde um sonho pode nos levar. Somos envolvidos de tal maneira que sentimos a angústia, o calor e o sacolejar da viagem. Como este nosso mundo é um lugar inóspito, viver nele é estar preparado para o inesperado. Imperdível!

terça-feira, janeiro 31, 2006

"A gente encontra o próprio estilo quando não consegue fazer as coisas de outra maneira"
Paul Klee

“Vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação”

Alugar um carro com pouca grana, pede-se para que se aproveite ao máximo às possibilidades. E as possibilidades de locomoção são muitas, ainda mais quando a agência não cobra taxas por kilometros rodados. E assim sendo, alugamos um FIAT Sahim, quadradão que parecia mais um Lada Laika, aquele carro russo que circulava aos montes no Brasil no início da década de 90. Erámos 3 brasileiros num Sahim, rodando pelas ruas de Istambul atrás da estrada certa. Mapa na mão e sem nenhuma direção, circulamos por horas até que encontrássemos o caminho que nos levaria a Pamukale. Mas antes, paramos para dormir em Bilecik, digamos que no sertão da Turquia. Ficamos num lugar tão meia boca, que estava mais para motel, que nos foi vendido como hotel. Ao apagar a luz, acendia automaticamente uma luz vermelha. Não me pergunte o porque...

Pamukale é uma montanha branca de calcário onde brotam águas termais, formando piscinas naturais alcalinas, totalmente azuis. É um dos cartões postais do país. A beleza do lugar impressiona. As águas medicinais atraem centenas de pessoas que vem tratar de problemas como artrite e artroses. E isso ocorre a anos, ou melhor, há milhares de anos já que até os romanos, no auge do Império, também estiveram no pedaço. Ao lado das montanhas brancas, há ruínas de uma antiga ocupação e um anfiteatro grego-romano.

Passamos a tarde lá e seguimos adiante rumo a Bodrum, cidade litorânea,localizada no mar de Egeo, lotada de ingleses e alemães. Em Pamukale havíamos encontrado umas inglesas que tinham nos dito que a cidade era imperdível. Nada de mais, para quem havia passado por algumas ilhas gregas antes de chegar na Turquia. Em Bodrum, fomos a Hali Karnas, conhecida por ser a maior boate ao ar livre da Europa. Ela foi construída no formato de um anfiteatro grego-romano. Música eletrônica bombando,o lugar parecia mais, com todo o respeito, com uma festa em clube do interior. Nada que valesse uma parada, ainda mais com um carro alugado que teríamos que devolver logo mais.

Acordei numa puta ressaca e seguimos para Efeso, uma cidade histórica onde escavações arqueológicas iniciadas no final do XIX e que continuam até hoje, trouxeram à tona os restos do interior do Templo de Artemisa do III a.C. considerado como uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo e que atualmente só conserva uma coluna. Além do Templo de uma coluna só, fomos ao anfiteatro greco-romano no qual, na época do Império Romano, podia-se desfrutar de espetáculos com 24.000 espectadores. Próximo a Efeso visitamos Meryemana Evi, uma casa onde a Virgem Maria viveu os últimos anos de sua vida, no alto do monte Aladj. Logo depois da morte de Jesus, Maria seguiu para a Turquia acompanhando o apóstolo João, este a quem Jesus confiara os cuidados de sua mãe. Na Turquia eles se sentiam mais seguros da perseguição imposta pelos romanos aos cristãos. Milhões de peregrinos visitam o local anualmente, prendendo seus pedidos no muro da casa, acendendo velas e depositando objetos na sala de ex-votos.

Saímos de Efeso no fim da tarde. Fomos revezando na direção a noite toda, pois tínhamos que entregar o carro logo pela manhã. Eu fui o último a assumir o comando do nosso FIAT Sahim, nossa nave mãe quadradona. Já estava há horas no volante, todos dormiam. Pensava na viagem, nos lugares que havia visitado,na minha vida quando avistei a cidade que se aproximava. Eram 5 horas da manhã e a primeira estrela surgia no céu. Fui olhando para o lado e a estrela da manhã ou estrela d’alva, que na verdade não é uma estrela mas o planeta Vênus, parecia me acompanhar. Eu estava sendo seguido pela Deusa do Amor. Estava feliz. Logo depois vi despontar no horizonte as primeiras luzes da manhã. A viagem, apesar de corrida, foi perfeita. Havíamos rodado mais de 3000 km em 3 dias e visitado lugares interessantíssimos. Eram quase seis da manhã e cruzava o estreito de Bósforo, que separa a parte asiática de Istambul da parte européia. A visão era impressionante. Todos dormiam. E como a perfeição pode ser sublime recebi pelo rádio um presente maravilhoso e inacreditável. A rádio só tocava músicas árabes e depois de 12 horas escutando canções numa língua que você não entende, a música te deixa entediado. Enquanto estava no volante, já havia ligado e desligado o rádio inúmeras vezes. Pouco antes de atravessar o estreito resolvi ligá-lo. Depois de umas 3 músicas árabes, quando nosso Sahim cruzava a ponte rumo ao lado europeu da Turquia, ouço alguns acordes conhecidos. Não acreditei! “Não posso lhe falar meu grande amor, das coisas que aprendi nos discos, quero lhe contar o que eu vivi e tudo o que aconteceu comigo.” Sim era ela, a voz mais linda do Brasil e isso enquanto atravessávamos os mares de Marmara e o Negro. Sim, a perfeição pode ser sublime. “Viver é melhor do que sonhar, e eu sei que o amor é uma coisa boa, mas sei também que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa...”

_Viajar_

Viajar!
Perder países!
Ser outro constantemente
Por a alma,
Não ter raízes
De viver de ver somente!

Fernando Pessoa

domingo, janeiro 29, 2006

Pelas fronteiras do Oriente Médio

Mesmo naquela hora da manha, o calor já era capaz de deixar qualquer um anestesiado, ainda mais depois de um dia andando a pé pelas cavernas de Ürgüp seguida de uma noite mal dormida dentro de um ônibus rumo a Hatay. Enfim agora faltava pouco para chegarmos nos limites da Turquia com a Síria. Numa estação rodoviária que parecia mais um mercado ao ar livre, pude comer um pão com manteiga e café. A poeira, por conta das ruas de terra, subia assim que algum ônibus partia e as comidas desprotegidas se reforçavam da cor ocre que todas aparentavam ter. Mas a falta de opção somada a fome que já marcava presença não me dava ao luxo de muitas escolhas naquele momento. Ao fundo vi um homem sentado no chão com uma bandeja cheia de roscas, todas cor de terra. Elas e o chão se confundiam. As grandes roscas que já não cabiam na bandeja, eram carregadas enfiadas no braço, como argolas enfeitando o vendedor. Assim que as da bandeja eram vendidas, ele as repunha com o estoque extra que tinha encaixado no braço. Higiênico?! hummm....

Assim que os guiches abriram, fizemos uma rápida pesquisa de preços e compramos, por razões obvias, a passagem mais barata para Homs. O critério de escolha não havia sido dos mais prudentes...

Embarcamos, ônibus bem vazio, apenas nós três de estrangeiros, uma dúzia de pessoas mal encaradas, fumando sem parar e com cara de poucos amigos. Dei um bom dia, não houve respostas, sentei-me no fundo. Em menos de uma hora estávamos nos limites da Turquia. Soldados fortemente armados marcavam presença na fronteira militarizada. Um militar pediu para descermos. Dentro do escritório apenas um guiche e no lugar de uma fila, um amontoado de pessoas se acotovelando, na busca de um carimbo no passaporte. A confusão era geral. O calor pior ainda. Com a estampa na minha caderneta verde, voltei para o ônibus. Lá, nossos queridos companheiros de viagem discutiam em árabe. E pelo jeito estavam bem nervosos. Um deles pediu para que eu segurasse uma grande sacola. Olhei para o lado e um dos militares estava revistando o ônibus vizinho. Na hora lembrei-me do filme “O expresso da meia noite” em que um americano é preso no aeroporto da Turquia carregado de haxixe. E sem a oportunidade de dar um mísero telefonema é jogado numa prisão onde não entendendo a língua e sem o direito de defesa fica lá mofando por anos. E o pior de tudo, o filme foi baseado numa história real. O tal companheiro de viagem continuava a insistir para que segurasse a tal sacola. A medida que o militar, fazia a vistoria e se aproximava do ônibus, o cara ia ficando mais nervoso. Eu já estava pingando de calor. Olhei para o lado e ele insistia para que eu segurasse a tal sacola. Não queria virar enredo de filme. Ele a colocou ao lado da minha mochila. Pra cima de “moi”? Eu disse que não entendia o que ele queria, ascendi um cigarro, peguei as minhas coisas e fui fuma-lo do outro lado. O militar se aproximou, abriu a sacola e levou o sujeito embora. Revistaram o resto das coisas, inclusive a minha, entramos no ônibus e seguimos adiante até o próximo posto de controle.

O nervosismo estava instalado. Os nossos colegas fumavam compulsivamente. Novos militares, agora com a cor do uniforme num tom mais amarronzado e com a bandeira da Síria bordada no braço, entraram no carro e fizeram uma nova revista. Um outro abriu o porta malas e chamou o motorista. Começaram a discutir. Três dos passageiros desceram. Os berros, ditos em árabe, eram intensos. O militar chamou um colega que logo surgiu com uma motoserra. Ele a ligou, se aproximou do bus e na altura da minha janela vi fagulhas de fogo voando por todos os lados. Sim, o soldado estava fazendo um rasgo na lateral do carro! Ficamos desesperados. Isso que dá comprar uma passagem muito mais barata do que o preço convencional! Valeu a lição e mais do que nunca o ditado “esmola demais até o santo desconfia”, passou a fazer muito sentido. Mas agora só queríamos entender o que estava acontecendo. Desci do carro e fui pedir explicações. A discussão rolava e ninguém me dava atenção. O rasgo era pequeno mas impressionava. O motorista acenou, voltou ao seu lugar e ligou o carro. Perguntei ao militar o que acontecia e ele não falava inglês, nem francês, apenas me dizia: “no problem, no problem”. Já dentro do carro, perguntamos aos companheiros de viagem o que estava acontecendo e eles nem nos olhavam no rosto.

Duas horas depois paramos num posto de gasolina. Fui comprar algo para beber, já que a temperatura perecia estar acima dos 40º. Na lojinha perguntei se alguém falava inglês e um garoto de uns 20 anos no máximo disse que falava um pouco. Contei o que havia acontecido e ele muito calmamente me disse:

- Isso acontece com freqüência aqui, são contrabandistas. Mas não se preocupe. Provavelmente eles fizeram alguma promoção para que vocês fossem no ônibus deles e assim não chamariam a atenção na fronteira, já que estariam com turistas a bordo.

Dito e feito. Ficamos 1 hora parados naquele posto, pois o motorista estava remendando o furo da lateral com massa tipo durepox. Logo na seqüência ele abasteceu o carro e também um tanque reserva que tinha. E ai as coisas passaram a fazer sentido. A gasolina na Síria é 6 vezes mais barata do que na Turquia, por conta da quantidade dos poços de petróleo no país. E o produto contrabandeado em questão era o combustível.

Tanque falso consertado, ânimos apaziguados, seguimos viagem até Homs. Prejuízo da viagem: o remendo foi mal feito e minha mochila ficou molhada por aquilo que atualmente é motivo de guerra entre nações, a tal da gasolina.