quinta-feira, novembro 18, 2004

Dili 40 graus

Aqui o calor aumenta, assim como os mosquitos, mas já estou ficando habituado. As vezes ate esqueço do tal repelente...O que por vezes me deixa meio encanado com as tais doenças tropicais, principalmente depois quando fico sabendo de algum conhecido que pegou malaria ou dengue. Fim de semana passado viajei de carona e em dois dias visitamos diversos lugares. Tripulantes: Marisol, medica espanhola, dona do carro; Pedro, timorense que pediu asilo político na embaixada da França em Jacarta no período da ocupação, Cipriano, timorense, motorista que conhece tudo por aqui, eu e um outro brasileiro que participa do mesmo projeto. Fomos para Baucau, Laga, Com, Los Palos e outras vilas que tenho anotado em algum lugar. A viagem me rendeu ótimas imagens e entrevistas: uma corrida de cavalos na praia de Com (coisa muito parecida com as vaquejadas do Maranhão), crianças colocando galos pra brigar (diversão mais apreciada por aqui), meninas ensaiando danças típicas, entrevista com um senhor que ajudou o presidente Xanana Gusmão quando ele era guerrilheiro e se feriu numa emboscada, outro ex-guerrilheiro da resistencia que fundou uma seita sagrada que mistura elementos da cultura animista do país (dizem que a tal seita possui atualmente 60.000 membros) e um atual comandante do exercito e que atualmente retirou cinco balas que estavam alojadas no seu corpo desde a década de 90, fruto de combates com as milícias da Indonésia. Dormimos em Los Palos numa pensão, que na frente era uma mercearia e no fundo os quartos. Jantar: frango frito (que pelo jeito devia ser do dia anterior de tão seco que estava) com um molho de tomate super apimentado e uma cumbuca de arroz. Banheiros: um buraco no chão para se fazer as necessidades e um tacho de água que com uma canequinha funcionava como descarga. Com a mesma canequinha você lavava as mãos e tomava banho. Quarto: camas com mosquiteiros furados. Mas depois de uma viagem super cansativa e só comendo bananas o dia inteiro, nada parecia incomodar.Tudo estava ótimo e super confortável.
Se você quiser voltar no tempo venha para o Timor Leste. As missas aos domingos são os momentos de encontro com os amigos e familiares, você apanha dos professores na escola com reguadas na mão e caso se comporte mal terá que se ajoelhar no milho, as meninas mestruadas ficam três dias sem lavar a cabeça e os namoros acontecem as escondidas porque caso uma das famílias descubra você provavelmente terá que agendar o casamento. Em regiões do interior como a de Los Palos onde dormi de sábado para domingo, os casamentos são arranjados entre famílias e o noivo tem que dar algumas dezenas de búfalos para a família da noiva.
E por falar em búfalo, uma professora de português que trabalha em Aileu me disse que uma de suas alunas desmaiou na sala. Ela pagou um táxi para a menina ir ao medico. Diagnostico: fome. Ele acompanhou a menina ate a sua casa e conversou com o pai dela explicando a situação. O pai disse que não poderia fazer nada pois passava muita dificuldade e que só tinha um búfalo. Ela perguntou porque ele não matava o animal e o preparava e ele respondeu que só tinha aquilo e que não poderia fazer nada. Passou-se uma semana e a menina não apareceu mais nas aulas. E ai chegou a noticia: a aluna falecera na noite anterior. No velório, como manda costume daqui, eles servem muita comida que é para abençoar o morto. E adivinhem qual o prato que foi servido? Carne de búfalo! O pai matou o búfalo para o velório da filha.
Aqui no Timor Leste, depois de um ano acontece o desluto. Um outro banquete é oferecido para os parentes e os familiares mais próximos possam voltar a levar uma vida mais normal, ou seja, sair do luto.
Essa semana uma lancha que fazia turismo próximo a ilha de Atauro, local bem em frente de Dili, ótimo para mergulhar, foi perseguido por um barco de guerra da Indonésia. A perseguição em águas timorenses durou algum tempo e causou um puta rebu diplomático. Mas pelo desenrolar da historia, o embaixador da Indonésia no Timor foi contactado e segundo as noticias do jornal em portugues, medidas cabíveis serão tomadas para que incidentes como esse não voltem a acontecer.