domingo, janeiro 29, 2006

Pelas fronteiras do Oriente Médio

Mesmo naquela hora da manha, o calor já era capaz de deixar qualquer um anestesiado, ainda mais depois de um dia andando a pé pelas cavernas de Ürgüp seguida de uma noite mal dormida dentro de um ônibus rumo a Hatay. Enfim agora faltava pouco para chegarmos nos limites da Turquia com a Síria. Numa estação rodoviária que parecia mais um mercado ao ar livre, pude comer um pão com manteiga e café. A poeira, por conta das ruas de terra, subia assim que algum ônibus partia e as comidas desprotegidas se reforçavam da cor ocre que todas aparentavam ter. Mas a falta de opção somada a fome que já marcava presença não me dava ao luxo de muitas escolhas naquele momento. Ao fundo vi um homem sentado no chão com uma bandeja cheia de roscas, todas cor de terra. Elas e o chão se confundiam. As grandes roscas que já não cabiam na bandeja, eram carregadas enfiadas no braço, como argolas enfeitando o vendedor. Assim que as da bandeja eram vendidas, ele as repunha com o estoque extra que tinha encaixado no braço. Higiênico?! hummm....

Assim que os guiches abriram, fizemos uma rápida pesquisa de preços e compramos, por razões obvias, a passagem mais barata para Homs. O critério de escolha não havia sido dos mais prudentes...

Embarcamos, ônibus bem vazio, apenas nós três de estrangeiros, uma dúzia de pessoas mal encaradas, fumando sem parar e com cara de poucos amigos. Dei um bom dia, não houve respostas, sentei-me no fundo. Em menos de uma hora estávamos nos limites da Turquia. Soldados fortemente armados marcavam presença na fronteira militarizada. Um militar pediu para descermos. Dentro do escritório apenas um guiche e no lugar de uma fila, um amontoado de pessoas se acotovelando, na busca de um carimbo no passaporte. A confusão era geral. O calor pior ainda. Com a estampa na minha caderneta verde, voltei para o ônibus. Lá, nossos queridos companheiros de viagem discutiam em árabe. E pelo jeito estavam bem nervosos. Um deles pediu para que eu segurasse uma grande sacola. Olhei para o lado e um dos militares estava revistando o ônibus vizinho. Na hora lembrei-me do filme “O expresso da meia noite” em que um americano é preso no aeroporto da Turquia carregado de haxixe. E sem a oportunidade de dar um mísero telefonema é jogado numa prisão onde não entendendo a língua e sem o direito de defesa fica lá mofando por anos. E o pior de tudo, o filme foi baseado numa história real. O tal companheiro de viagem continuava a insistir para que segurasse a tal sacola. A medida que o militar, fazia a vistoria e se aproximava do ônibus, o cara ia ficando mais nervoso. Eu já estava pingando de calor. Olhei para o lado e ele insistia para que eu segurasse a tal sacola. Não queria virar enredo de filme. Ele a colocou ao lado da minha mochila. Pra cima de “moi”? Eu disse que não entendia o que ele queria, ascendi um cigarro, peguei as minhas coisas e fui fuma-lo do outro lado. O militar se aproximou, abriu a sacola e levou o sujeito embora. Revistaram o resto das coisas, inclusive a minha, entramos no ônibus e seguimos adiante até o próximo posto de controle.

O nervosismo estava instalado. Os nossos colegas fumavam compulsivamente. Novos militares, agora com a cor do uniforme num tom mais amarronzado e com a bandeira da Síria bordada no braço, entraram no carro e fizeram uma nova revista. Um outro abriu o porta malas e chamou o motorista. Começaram a discutir. Três dos passageiros desceram. Os berros, ditos em árabe, eram intensos. O militar chamou um colega que logo surgiu com uma motoserra. Ele a ligou, se aproximou do bus e na altura da minha janela vi fagulhas de fogo voando por todos os lados. Sim, o soldado estava fazendo um rasgo na lateral do carro! Ficamos desesperados. Isso que dá comprar uma passagem muito mais barata do que o preço convencional! Valeu a lição e mais do que nunca o ditado “esmola demais até o santo desconfia”, passou a fazer muito sentido. Mas agora só queríamos entender o que estava acontecendo. Desci do carro e fui pedir explicações. A discussão rolava e ninguém me dava atenção. O rasgo era pequeno mas impressionava. O motorista acenou, voltou ao seu lugar e ligou o carro. Perguntei ao militar o que acontecia e ele não falava inglês, nem francês, apenas me dizia: “no problem, no problem”. Já dentro do carro, perguntamos aos companheiros de viagem o que estava acontecendo e eles nem nos olhavam no rosto.

Duas horas depois paramos num posto de gasolina. Fui comprar algo para beber, já que a temperatura perecia estar acima dos 40º. Na lojinha perguntei se alguém falava inglês e um garoto de uns 20 anos no máximo disse que falava um pouco. Contei o que havia acontecido e ele muito calmamente me disse:

- Isso acontece com freqüência aqui, são contrabandistas. Mas não se preocupe. Provavelmente eles fizeram alguma promoção para que vocês fossem no ônibus deles e assim não chamariam a atenção na fronteira, já que estariam com turistas a bordo.

Dito e feito. Ficamos 1 hora parados naquele posto, pois o motorista estava remendando o furo da lateral com massa tipo durepox. Logo na seqüência ele abasteceu o carro e também um tanque reserva que tinha. E ai as coisas passaram a fazer sentido. A gasolina na Síria é 6 vezes mais barata do que na Turquia, por conta da quantidade dos poços de petróleo no país. E o produto contrabandeado em questão era o combustível.

Tanque falso consertado, ânimos apaziguados, seguimos viagem até Homs. Prejuízo da viagem: o remendo foi mal feito e minha mochila ficou molhada por aquilo que atualmente é motivo de guerra entre nações, a tal da gasolina.

1 Comments:

At 11:23 AM, Anonymous Anônimo said...

Muito vivo este conto!
Gostei bastante!
Aliás, que bom que vc resolveu atualizar o blog...Já estava quase desistindo...
Bjs,
Flor

 

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