terça-feira, janeiro 31, 2006

“Vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação”

Alugar um carro com pouca grana, pede-se para que se aproveite ao máximo às possibilidades. E as possibilidades de locomoção são muitas, ainda mais quando a agência não cobra taxas por kilometros rodados. E assim sendo, alugamos um FIAT Sahim, quadradão que parecia mais um Lada Laika, aquele carro russo que circulava aos montes no Brasil no início da década de 90. Erámos 3 brasileiros num Sahim, rodando pelas ruas de Istambul atrás da estrada certa. Mapa na mão e sem nenhuma direção, circulamos por horas até que encontrássemos o caminho que nos levaria a Pamukale. Mas antes, paramos para dormir em Bilecik, digamos que no sertão da Turquia. Ficamos num lugar tão meia boca, que estava mais para motel, que nos foi vendido como hotel. Ao apagar a luz, acendia automaticamente uma luz vermelha. Não me pergunte o porque...

Pamukale é uma montanha branca de calcário onde brotam águas termais, formando piscinas naturais alcalinas, totalmente azuis. É um dos cartões postais do país. A beleza do lugar impressiona. As águas medicinais atraem centenas de pessoas que vem tratar de problemas como artrite e artroses. E isso ocorre a anos, ou melhor, há milhares de anos já que até os romanos, no auge do Império, também estiveram no pedaço. Ao lado das montanhas brancas, há ruínas de uma antiga ocupação e um anfiteatro grego-romano.

Passamos a tarde lá e seguimos adiante rumo a Bodrum, cidade litorânea,localizada no mar de Egeo, lotada de ingleses e alemães. Em Pamukale havíamos encontrado umas inglesas que tinham nos dito que a cidade era imperdível. Nada de mais, para quem havia passado por algumas ilhas gregas antes de chegar na Turquia. Em Bodrum, fomos a Hali Karnas, conhecida por ser a maior boate ao ar livre da Europa. Ela foi construída no formato de um anfiteatro grego-romano. Música eletrônica bombando,o lugar parecia mais, com todo o respeito, com uma festa em clube do interior. Nada que valesse uma parada, ainda mais com um carro alugado que teríamos que devolver logo mais.

Acordei numa puta ressaca e seguimos para Efeso, uma cidade histórica onde escavações arqueológicas iniciadas no final do XIX e que continuam até hoje, trouxeram à tona os restos do interior do Templo de Artemisa do III a.C. considerado como uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo e que atualmente só conserva uma coluna. Além do Templo de uma coluna só, fomos ao anfiteatro greco-romano no qual, na época do Império Romano, podia-se desfrutar de espetáculos com 24.000 espectadores. Próximo a Efeso visitamos Meryemana Evi, uma casa onde a Virgem Maria viveu os últimos anos de sua vida, no alto do monte Aladj. Logo depois da morte de Jesus, Maria seguiu para a Turquia acompanhando o apóstolo João, este a quem Jesus confiara os cuidados de sua mãe. Na Turquia eles se sentiam mais seguros da perseguição imposta pelos romanos aos cristãos. Milhões de peregrinos visitam o local anualmente, prendendo seus pedidos no muro da casa, acendendo velas e depositando objetos na sala de ex-votos.

Saímos de Efeso no fim da tarde. Fomos revezando na direção a noite toda, pois tínhamos que entregar o carro logo pela manhã. Eu fui o último a assumir o comando do nosso FIAT Sahim, nossa nave mãe quadradona. Já estava há horas no volante, todos dormiam. Pensava na viagem, nos lugares que havia visitado,na minha vida quando avistei a cidade que se aproximava. Eram 5 horas da manhã e a primeira estrela surgia no céu. Fui olhando para o lado e a estrela da manhã ou estrela d’alva, que na verdade não é uma estrela mas o planeta Vênus, parecia me acompanhar. Eu estava sendo seguido pela Deusa do Amor. Estava feliz. Logo depois vi despontar no horizonte as primeiras luzes da manhã. A viagem, apesar de corrida, foi perfeita. Havíamos rodado mais de 3000 km em 3 dias e visitado lugares interessantíssimos. Eram quase seis da manhã e cruzava o estreito de Bósforo, que separa a parte asiática de Istambul da parte européia. A visão era impressionante. Todos dormiam. E como a perfeição pode ser sublime recebi pelo rádio um presente maravilhoso e inacreditável. A rádio só tocava músicas árabes e depois de 12 horas escutando canções numa língua que você não entende, a música te deixa entediado. Enquanto estava no volante, já havia ligado e desligado o rádio inúmeras vezes. Pouco antes de atravessar o estreito resolvi ligá-lo. Depois de umas 3 músicas árabes, quando nosso Sahim cruzava a ponte rumo ao lado europeu da Turquia, ouço alguns acordes conhecidos. Não acreditei! “Não posso lhe falar meu grande amor, das coisas que aprendi nos discos, quero lhe contar o que eu vivi e tudo o que aconteceu comigo.” Sim era ela, a voz mais linda do Brasil e isso enquanto atravessávamos os mares de Marmara e o Negro. Sim, a perfeição pode ser sublime. “Viver é melhor do que sonhar, e eu sei que o amor é uma coisa boa, mas sei também que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa...”