quarta-feira, outubro 06, 2004

Diarios do Timor - parte1

Bom deixa eu contar tudo ate agora: cheguei por aqui depois de 37
horas de viagem, non stop. O ultimo voo entre Darwin e Dili
foi realizado num Brasilia da Embraer. Chegando no Timor
Leste a recepçao foi calorosa onde um onibus com 30
estudantes univesitarios daqui nos aguardava com faixas,
cantando musicas locais. Junto com eles, uma comitiva do
exercito, fazia a nossa escolta. Fomos para casa num onibus
com os timorenses e alguns (inclusive eu) nos jipes do
exercito. Nas ruas as pessoas acenavam e gritavam Brasil. A
semelhança entre o Timor Leste e o Brasil, principalmente a
região norte, é impressionante! As pessoas são receptivas, o
calor é intenso, a maioria das casas são simples, há mosquito
por todos os lados e na rua da praia existem alguns quiosques
onde as pessoa vendem peixes fritos, frutas tropicais e afins.
Dili anda passando por um processo de reconstruçao muito
rapido, e superou as minhas expectativas. O clima é calmo,
não há tensão nas ruas, aparentemente são todos muito
amigaveis mas o contraste social é enorme. Por um lado jipes
da ONU circulam pela cidade e por outro motos, microlets
(vans) enfeitadas por um gosto duvidoso e carros caindo aos
pedaços abandonados por estrangeiros que deixaram o país
circulam num lugar onde não há leis de transito. Uma medica
espanhola que trabalha numa ONG portuguesa me disse que as
principais ocorrencias não são de doenças tropicais e sim de
acidentes de carro. Nos 3 meses em que ela se encontra por
aqui, já viajou muito pelas estradas do interior e nessas
andanças já sofreu 6 acidentes de carro.
O acesso ao computador é meio restrito. A conexão cai o tempo
todo e custa US$ 6,00 a hora.
O lugar onde estamos é uma pousada formada por diversos
containers adaptados como quartos. Cada container possui de
duas a quatro camas, ar condicionado (providencial) e é
revestido com paredes de madeiras. Parece que estamos num
trailer. Um tanto quanto exótico. A comida feita por aqui é
bem gordurosa. Muita fritura, argh...Anteontem estive no
cemiterio de Santa Cruz onde aconteceu o massacre em 1991 em
que por conta de uma passeata o exercito da Indonesia abriu
fogo contra a multidão e matou quase 300 pessoas. Cada dia
conheço pessoas novas que tem muita historias pra contar,
andando nas ruas da para ver muitas marcas deixadas pelas
tropas da Indonesia, casas queimadas e em ruínas, enfim pelo
pouco que deu para sentir, viver num país que esta passando
por um processo historico de reconstruçao é ser bombardeado
por informações diariamente...

Cada dia que passa, fico mais impressionado com a diferença
social que existe nesse país. O interior eh bem pobre, mas
vive num tipo de pobreza diferente da miséria degradante da
capital, onde os esgotos são a céu aberto, as crianças
brincam nos lixões entre porcos e pessoas te abordam nas ruas
pra vender artesanato, frutas ou qualquer coisa que lhes
garantam um trocado. Final de semana retrasado fui para
Soibada, uma cidade onde existe um mosteiro católico em
ruínas que durante o período da colônia portuguesa foi um dos
principais colégios do Timor Leste. O caminho uma aventura:
estradas de pedras por onde passam apenas um carro (se vier
outro no sentido contrario, acidente na certa) circundam a
diversas montanhas, paisagens secas e maravilhosas, cruzamos
vales, rios, passamos por aldeias onde crianças corriam atrás
do carro....A viagem que fizemos num dia durou 14 horas. O
mosteiro esta num local frio, pois esta localizado num vale
numa altura considerável. A fome no caminho apertou e
passamos o dia com pacotes de bolachas indonésias vencidas
que conseguimos comprar num vilarejo do caminho. Essa semi-
ilhota chamada Timor Leste, lotada de montanhas, possui alem
do Tétum e Português (línguas oficiais) mais 32 dialetos
perdidos pelo país. O motorista do carro, nosso interprete
teve problemas para se comunicar pois em determinados lugares
ele não compreendia o dialeto falado. As “estradas” sem
sinalização são um desafio para o motorista que por sorte
conhece bem a região. Durante a ocupação da Indonésia,
Cipriano ou Mauhuno (seu nome de guerra) foi a pessoa que
levava os jornalistas escondidos para entrevistarem os
guerrilheiros que se escondiam nas montanhas. O cara tem
várias histórias espetaculares: fugas pelos postos de
controle, trocas de tiros com a polícia da Indonésia e
diversos atendimento onde levava as pessoas feridas para
serem tratadas pelos padres que viviam em certas aldeias.
Enfim, como disse um conhecido que já mora há 2 anos por
aqui, o Timor Leste eh um país de belas paisagens, febre e
muita miséria.
Sábado eu fui num casamento de uma aluna. Coisa simples, mas
divertidíssimo. A festa aconteceu num terreno baldio, onde
armaram uma lona meio que de circo. Teve buffet com comida
típica, cerveja de Cingapura, banda tocando e uns 200
convidados. Depois do almoço retiraram as mesas e rolou
aquele bailão. Detalhe entre algumas musicas locais a banda
tocava coisas como: Quando de Roberto Carlos, varias de
Leandro e Leonardo e Morango do Nordeste. E todos cantavam e
dançavam como se fossem o ultimo hit das rádios locais. É
impressionante como as musicas sertanejas e qualquer uma do
Roberto Carlos é valorizada por aqui. Entre os casais que
dançavam e levantavam a poeira do chão de terra batida,
cachorros circulavam livremente atrás de algum resto do farto
buffet. Grande parte dos meus alunos estavam lá e todos
queriam interagir se esforçando o máximo para falar
português. Eu era o estrangeiro da festa, o malai, todos
olhavam, perguntavam,querendo saber de onde vinha. No final,
depois de dançar muito “um pra ca e dois pra la”, voltei pra
casa de carona junto com alguns alunos, na boleia de um
caminhão.
A noite fui com um brasileiro, funcionário da ONU na festa de
uns amigos dele. Ai a coisa mudou de figura, o que acentuou
mais ainda minha impressão sobre o abismo social que assola
esse país. Depois de um casamento num terreno baldio, fui pra
uma casa enorme, toda iluminada por tochas. Num telão
colocado estrategicamente no jardim passava o Homem da
Câmera, um filme cult soviético de 1926. Uma professora de
yoga era a DJ e colocava umas músicas eletrônicas ambient,
bem cool. Na mesa whisky black label, vodka russa e again
cerveja de Cingapura. Só estrangeiro na festa, a maioria
funcionários da ONU ou do governo. O dono da festa já mora em
Dili há quase dois anos e já cansado de fazer sempre as
mesmas baladas resolveu organizar algumas festas. Ele é
portugues, arquiteto e trabalha para a Embaixada dos portuga
aqui na capital.
De resto as aulas estão indo bem, estou com três turmas, mais
de 100 alunos no total, e cada vez que passa minha semana
esta ficando mais lotada. Mas nada se compara a vida louca e corrida de sampa...