sexta-feira, fevereiro 27, 2004

Castañeda

"Para mim so existe um caminho, o caminho do coração. Nele viajo, olhando...completamente sem folego."

Carlos Castañeda

On the Road - Filmes

Três filmes em que a estrada sugere a interiorização dos dramas psicológicos dos personagens:

- Sob o céu que nos protege (1990) - Dir.: Bernardo Bertolucci
- Terra Estrangeira (1995) - Dir.: Walter Salles e Daniela Thomas
- E sua mãe também (2001) - Dir.: Afonso Cuarón

Godard

"Fotografar um rosto é fotografar a alma que há detrás. A fotografia é a verdade. E o cinema é a verdade de 24 vezes por segundo."
Jean-Luc Godard

Filme: "O Pequeno Soldado" (1963)

Pílulas

POR QUE?

Por que nascemos para amar, se vamos morrer?
Por que morrer, se amamos?
Por que falta sentido
Ao sentido de viver, amar, morrer?

Carlos Drummond de Andrade




LEMBRETE

Se procurar bem, você acaba encontrando
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida.

Carlos Drummond de Andrade


In: Corpo
Editora Record, RJ – 1984



Percepções

Dizem que a morte tem cheiro. E eh muito forte. Aqueles que já conviveram com ela e se permitiram perceber sabem do que estou falando. Cheiro indescritível, de algo que não se assemelha a nada no mundo dos vivos. Lembro-me do cheiro de velório. Um odor nada agradável, disfarçado por éter e outras substancias químicas. Um odor de um lugar que não pretendo tão cedo conhecer.

Voltando de São Luís do Paraitinga, de carona com um guincho, já que uma amiga perdeu a chave do carro e teve este rebocado, pude confirmar esta minha percepção numa conversa com o motorista. Vieira atende todo o Vale do Paraíba, rebocando carros quebrados, sem chaves e acidentados. Muitas vezes ele tem que entrar no veiculo, logo após um acidente grave, para destravar a direção, soltar a embreagem e deixar o carro pronto para o reboque. E quando o acidente eh fatal e ele se senta no banco do motorista não consegue se livrar do cheiro da morte. A camisa daquele dia de trabalho vai para o lixo. Disse ele que o odor fica impregnado de tal forma que nem diversas lavadas resolvem o problema. Segundo ele, seus amigos acham que tal historia eh fruto da sua imaginação, que não acreditam nessa persistência do cheiro, que ele esta ficando louco com o tipo de trabalho que leva. Mas eu entendi perfeitamente o que quis dizer...


Anjo do Deserto

Depois de uma longa caminhada pela região dos Pequenos Lençóis, a sede apertou, o que me fez aproximar de uma pequena casa para pedir um copo d’água. Nela crianças brincavam do lado de fora do quintal, enquanto duas mulheres conversavam sentadas num tronco deitado. Elas me convidaram para entrar. Dentro da casa imagens de santos penduradas na parede se misturavam com pôster de atores da globo, aqueles que vem junto com revistas de fofocas. Perguntaram de onde eu vinha e o que estava fazendo por ali, mas minha atenção estava voltada para um criança de colo que não me parava de me olhar. Seus olhos opacos e cheios de remela pareciam pedir ajuda. Não resisti e perguntei se ela estava doente. A mulher que a carregava disse que a criança estava com uma diarréia há quase uma semana, mas que logo ficaria boa. Eu retruquei insistindo que ela deveria ser levada para um hospital, mas como o hospital mais próximo estava há duas horas de viagem de carro, elas riram dizendo que não poderiam fazer nada. Eu argumentei dizendo no dia seguinte iria para Tutoia realizar um trabalho e que poderia acionar uma ambulância para que a criança fosse internada. Eu não conseguia desviar meus olhos do pequeno que também me olhava parecendo compreender e agradecer a minha preocupação. A mulher que num primeiro instante achei que fosse a mãe disse que a só poderia leva-lo com o consentimento da progenitora que estava na fora, junto com o marido levando uma vida nômade pelos mangues da barra do rio Novo, a cata de caranguejos. Eles só voltariam dentro de alguns dias. Eu continuei insistindo falando que ela deveria ir junto e ela retrucou que já estava fazendo um favor de cuidar de uma criança adoentada e que não iria se arrumar e se deslocar ate Tutoia. Preferia esperar a mãe pois, segundo ela, esse tipo de viagem daria muito trabalho. A discussão ficou tensa, a criança adoentada estava tão fraca que não esboçava nenhum tipo de reação. Fui embora.

Depois de algumas semanas voltei para a região dos Pequenos Lençóis, parando naquela mesma casa para perguntar sobre a saúde da criança. Vi que aquela mulher que entrara na discussão comigo se retirou para o quarto. Uma senhora que estava na casa disse que a criança seguiu a vontade de Deus, falecendo dois dias depois da minha estada por lá. E foi enfática: “Não tivemos culpa. Deus quis que ela fosse embora. Seja feita vossa vontade.” Fiz o sinal da cruz e entristecido e inconformado com o descaso fui assistir o por do sol no alto da maior duna. Por lá chorei durante algum tempo.